quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Com quantos dentes se faz um vocalista de verdade?


Dez anos sem Joe Strummer, ícone do punk
 



Muita gente se lembra ou pelo menos já ouviu algumas vezes no rádio ou em festinhas com o tema “anos 80”, as canções “Should I Stay or Should I Go” e “Rock the Casbah”.  Acontece que pelo menos metade dessas pessoas não tem a menor ideia de quem canta essas músicas. Para essas pessoas eu respondo: essas canções são de uma banda chamada The Clash.

Surgido no ano de 1976 na cidade de Londres, o The Clash foi um dos grandes responsáveis pela explosão e também pela manutenção do movimento punk, principalmente na Inglaterra, mas também nos Estados Unidos e em várias outras partes do mundo. 

Inicialmente, a banda era punk até os ossos. Musicalmente, liricamente, visualmente, enfim. Em tudo. Pouco a pouco, seus integrantes foram evoluindo em todos esses sentidos. Continuavam punks na atitude. Mas se transformaram numa grande banda de rock e não só de punk. O guitarrista Mick Jones e o baixista Paul Simonon contribuíram fundamentalmente para esta evolução do The Clash. Mas “o cara” do grupo era o também guitarrista e vocalista principal Joe Strummer. 

Nascido John Graham Mellor, no dia 21 de agosto de 1952, na cidade de Ankara, na Turquia, devido às constantes mudanças em função do trabalho de seu pai, Joe não só era “o cara” como também era “a cara” do The Clash. Seu gosto por música foi despertado ainda na infância nos tempos em que estudava em um colégio interno, em Londres, onde passava horas ouvindo artistas como Little Richard e Beach Boys. Este último foi o grande responsável por colocar na cabeça do garoto o desejo de se tornar um músico profissional.

No início da juventude, por volta de 1973, Joe Strummer se mudou para a cidade de Newport, no País de Gales. Lá, conheceu vários músicos que estudavam na Newport College Art. Começava assim o caminho para realização do sonho de viver de música. Nesse período, quando ainda tinha o apelido de Woody Mellor, o rapaz montou algumas bandas e passou a tocar em bares.

Algum tempo depois, Joe não queria mais ser chamado de Woody. Guitarrista apenas mediano, ele decidiu que passaria a ser Joe “Strummer”, devido a pouca técnica com o instrumento que ele apenas dedilhava (strum, em inglês) e jamais fazia solos intrincados. Seu grupo na época se chamava The 101’ers e a especialidade era o Rythm & Blues.

Mais alguns anos se passaram e, em Abril de 76, após uma apresentação dos The 101’ers em um clube londrino, dois caras se aproximaram de Joe e o convidaram para ser vocalista de um recém formado grupo de punk rock chamado The Clash. Em pouco tempo, a banda passou a fazer shows com maior frequência, chegando inclusive a abrir algumas apresentações dos Sex Pistols, banda que catapultou o punk na terra da rainha.




Com a presença de Joe Strummer entre seus membros, o The Clash só cresceu. A formação clássica com ele, Jones, Simonon e mais o baterista Topper Headon foi responsável por álbuns fundamentais na história do rock. Desde o trabalho de estreia, auto-intitulado, passando por “Give’em Enough Rope” e os ultra-clássicos “London Calling”, “Sandinista!” e “Combat Rock”, o Clash mostrou ao mundo diversos clássicos em seus curtos dez anos de estrada.

A evolução musical a qual me referi no início deste texto foi tomando forma ao longo da carreira do grupo britânico. O punk rock tosco foi sendo incrementado pelos seus integrantes que possuíam influências de outros estilos musicais. Aquele R&B que Joe tocava no início da carreira aos poucos foi se fazendo presente nas composições do The Clash. A clássica faixa “London Calling” é um exemplo disso. Mais tarde, a banda passaria a flertar fortemente com o reggae, gerando excelentes canções como “Guns of Brixton”, “Magnificent Seven” e “Armagideon Time”.

Já com relação as letras, o Clash era um capítulo à parte. Seus membros, todos eles jovens vindo de uma classe média engajada artistica e politicamente, adotaram desde o início da carreira, uma postura forte contra o sistema vigente. A Inglaterra vivia um momento de estagnação em várias áreas e a juventude resolveu tomar uma atitude perante esse contexto. O movimento punk, principalmente através de suas bandas, foi a voz que essas pessoas precisavam para expressar suas críticas e insatisfações. 

Joe Strummer, ao lado de Mick Jones e com uma contribuição mais discreta de Paul Simonon, não se privavam de escrever letras que criticavam fortemente a sociedade britânica. Canções como “London’s Burning”, “Career Opportunities” e “English Civil War” são perfeitas demonstrações da agressividade das letras do The Clash. 

Em cima do palco a banda traduzia exatamente tudo o que produzia em seus discos. Através de performances vibrantes, o Clash conseguiu arrebanhar muitos fãs na Europa e posteriormente nos Estados Unidos. Strummer era um show à parte. Mesmo empunhando sua guitarra na maior parte do tempo, o vocalista tinha uma presença de palco muito marcante. Agitava sem parar e conversava com o público entre a execução das músicas. Como a origem do seu próprio apelido diz, a técnica não era sua principal característica. Nem com a guitarra e nem no vocal. Mas isso era compensado com muito carisma e entrega durante cada performance. 



Um exemplo clássico da imagem de Joe Strummer, e consequentemente do The Clash, é o clipe da música “Tommy Gun”. O vídeo nada mais é do que uma performance ao vivo da banda em um estúdio de TV. Mas o grande destaque são os closes em Strummer, denunciando a feição nada delicada do rapaz, a falta de alguns dentes, mas ao mesmo tempo mostrando um cara cantando com muito vigor e acreditando em cada palavra que saía de sua boca.

No início dos anos 80, já com os dentes mais arrumadinhos, Strummer e companhia lançaram os dois hits que citei no início deste texto. “Should I Stay or Should I Go” e “Rock the Casbah” entraram no álbum “Combat Rock” e fizeram deste disco o maior sucesso comercial da carreira do The Clash. Esse sucesso porém, acabou seguido de um desgaste na convivência entre os principais  compositores da banda. Assim, Mick Jones acabou deixando o grupo em 83. Com a nova formação ainda seria lançado o mal sucedido álbum “Cut the Crap”, em 85, mas no ano seguinte o The Clash encerraria suas atividades definitivamente.

 Joe Stummer deu início então a uma carreira solo que consistia em projetos que nunca atingiram o mesmo sucesso de sua gloriosa banda anterior. O único desses projetos que ganhou certa notoriedade foi Joe Strummer and The Mescaleros, criado no fim dos anos 90. 

E nesse momento de estabilidade, quando inclusive já se ventilava um possível retorno às atividades do Clash, um fato totalmente inesperado pegou todos de surpresa. Em 22 de dezembro de 2002, aos 50 anos de idade, Strummer sofreu um ataque cardíaco fulminante, causado por uma má-formação congênita jamais diagnosticada até então. Com a morte do vocalista, qualquer chance de retorno dos ícones do punk rock foi descartada. Afinal, Joe Strummer era a verdadeira alma da banda e não faria qualquer sentido ela voltar a existir sem sua presença. 


  


Neste fim de ano, certamente várias homenagens serão prestadas a este grande compositor, ativista político e vegetariano, que nos deixou mensagens brilhantes através de suas músicas e influenciou uma enorme quantidade de artistas e fãs tanto no aspecto musical como através de sua postura como cidadão. Mas eu resolvi me antecipar e ser assim um dos primeiros a lembrar dos dez anos da perda de Joe Strummer. Talvez tenha feito isso para compensar o fato de ter demorado demais pra prestar atenção nos caras. Somente em 2008 comecei a ouvir suas músicas e acabei virando um fã incondicional, não só do grupo, mas especialmente deste artista revolucionário que mostrou pra muita gente com quantos dentes se faz um vocalista de verdade de uma banda de rock de verdade.  Salve The Clash! Salve Joe Strummer!

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