Mas afinal o que é Deftones?
Em setembro de 1996 meus pais compraram
nosso primeiro computador pessoal. Se não me engano, era um 486 (alguém se
lembra desse modelo?). Consequentemente veio a oportunidade de termos acesso a
então recém descoberta (pelo menos aqui no Brasil) rede mundial de
computadores, também conhecida como internet.
Alguns meses depois, já no ano de 1997, eu
havia entrado para a faculdade de jornalismo e meu envolvimento com a internet
crescia a cada dia. Nada mais natural que eu criasse uma conta de correio
eletrônico. Ou seja, meu e-mail. Tudo que eu tinha que fazer era escolher um
portal que fornecia esse serviço gratuitamente e pensar em alguma identificação
exclusiva para mim, a fim de ter finalmente o meu endereço eletrônico. Ah...os tempos
modernos...
A identificação para o meu e-mail tinha que
ser algo digno da minha condição na época. Afinal de contas eu era um estudante
de jornalismo, totalmente fissurado por rock e rap, enfim, “o descolado”. Não deu outra, meu e-mail seria deftones@”provedor”.com.br
. Ingenuidade da minha parte? Talvez. Mas na época eu não iria imaginar que
permaneceria com o mesmo endereço eletrônico até hoje (2014). Sendo assim, não
pensei que na hora de fazer cadastro no banco, realizar compras, contratar
serviço de TV a cabo, etc, eu teria que falar para uma atendente de
telemarketing que meu e-mail era deftones@ alguma coisa.
Para solucionar isso, bastava criar uma
nova conta usando algo como fabio78, fabio_gc, sei lá. Mas isso não aconteceu.
Continuo com o Deftones. E aí alguns de vocês (não familiarizados com este
blog, principalmente) podem me perguntar: que diabos é Deftones?
Pois bem. Como eu disse alguns parágrafos
atrás, em 97 eu já era louco por música. Por isso acabei escolhendo um nome de
uma banda para identificar meu e-mail! Faz sentido, não? Pelo menos na cabeça
de um garoto de 18 anos fazia. Afinal de contas, o Deftones era uma banda
nova de rock, mais precisamente de “nu-metal”, que eu acabara de descobrir e
que englobava tudo aquilo que eu gostava em termos de música e visual.
Formada na cidade californiana de
Sacramento, em 1988, o Deftones inicialmente se caracterizava por composições
que mesclavam rock pesado, com guitarras afinadas em tom muito baixo e vocais
de rap em várias delas. Essa era a fórmula do chamado “nu-metal” ou
“new-metal”. Garotos norte-americanos de classe média que cresceram ouvindo
bandas clássicas de rock como Metallica, Kiss e AC-DC , mas que também estavam
altamente expostos a artistas de black music como Michael Jackson, Run DMC e
N.W.E, por exemplo. Essa geração misturou essas duas influências distintas que
deram origem a bandas como Korn, Limp Bizkit e a banda em questão aqui,
Deftones.
Era interessante de se ver porque eram
caras, em sua maioria brancos, que se vestiam como os caras negros das
perfierias das grandes cidades americanas. Muita gente não comprou a ideia.
Achavam bizarro demais e musicalmente pobre. Mas muita gente se identificou com
aquilo. Inclusive eu. Bandas que tocavam metal misturado com rap e se vestiam
de um jeito que eu achava “style”? Lógico que eu ia gostar!
Mas voltando ao Deftones, o grupo formado
por Chino Moreno (vocal e guitarra ocasional), Stephen Carpenter (guitarra), Chi
Cheng (baixo) e Abe Cunningham (bateria) conseguiria gravar seu primeiro álbum,
já por uma grande gravadora, em 1995. “Adrenaline” é um disco bem agressivo.
Chino abusa dos berros, rima com destreza e ainda reservava alguns momentos
para utilizar passagens vocais melódicas. Algo que ganharia muito mais espaço
nas canções do grupo no futuro. Embora
todo o álbum seja de alta qualidade, as faixas de maior destaque são “7 Words”,
“Root” e “Engine no 9”.
Dois anos depois (exatamente na época que
descobri os caras) o Deftones lançou o cd que os colocaria de vez no mapa das
grandes bandas do momento. “Around the Fur” mantinha a agressividade do seu
antecessor, mas soava mais polido, mais bem trabalhado. O produtor era o mesmo,
Terry Date (Pantera, Soundgarden, Soulfly), mas a cara das músicas tinha mudado
um pouco e, creio eu, para melhor. Por isso afirmo categoricamente que, na
minha opinião, este é o melhor trabalho dos caras. Músicas como
“My Own Summer (Shove It)”, “Be Quiet and Drive (Far Away)” estão presentes até
hoje no setlist dos shows do grupo. E ainda “Lotion”,
“Head Up” (que conta com a participação de Max Cavalera nos vocais) e a própria
faixa título são outros pontos altos desse excelente LP.
Vem então a virada do milênio e com ela as
primeiras mudanças mais significativas no som do Deftones. O disco “White Pony”
(2000), levou o grupo ao auge comercial de sua carreira. Canções como “Back to
School”, lançada na re-edição do álbum (os caras se arrependeram de deixa-la de
fora da versão original), e “Feiticeira” tinham a cara dos dois primeiros
trabalhos, já “Change”, “Knife Party”, “Digital Bath” e a maravilhosa
“Passenger” (com participação de James Maynard Keenan, do Tool) mostravam um
lado mais suave dos californianos. A melodia havia chegado pra ficar nas
composições do Deftones. E mais. A entrada do DJ Frank Delgado acrescentou ao
som do grupo texturas que encorparam e deram um clima todo especial a cada
faixa em que se fizeram presente.
Algumas pessoas, inclusive eu, torceram um
pouco o nariz para essa desacelerada. Mas a qualidade do disco é inegável. A
produção é impecável. Não à toa, a já citada “Change”, alcançou boas posições
nas paradas de sucesso nos Estados Unidos. E para coroar o sucesso do álbum, a
pesadíssima “Elite” ganhou o prêmio Grammy de melhor performance de Metal em
2001.
O sucessor de “White Pony” viria somente
três anos depois. O auto-intitulado
“Deftones” é um trabalho um pouco mais soturno, não só a julgar pela capa - uma
caveira cercada por rosas - mas pelo fato de as composições manterem o mesmo
padrão do disco anterior, porém com um nível maior de “viagem” em múscias como
“Minerva”, “Moana” e “Anniversary of an Uninteresting Event". Ainda assim é um bom disco
que traz algumas das minhas faixas favoritas em toda a discografia da banda
como “Hexagram” e “Bloody Cape”.
O Deftones seguia relevante, fazendo shows
por todo o mundo e muito respeitado pela crítica. Mas o sucesso, vocês sabem,
sempre cobra um preço. Entre o “self-titled” e o disco seguinte, os membros do
grupo entraram numa espiral de problemas. Chino, se via nitidamente pelo inchaço do rosto, estava com
sérios problemas envolvendo álcool e outras drogas. O relacionamento entre os
caras se deteriorou muito por conta disso e o clima para a gravação de
“Saturday Night Wrist” não poderia ser pior. E isso se refletiu no resultado
final.
O produtor escolhido inicialmente foi Bob
Ezrin, famoso por ter trabalhado com o Kiss. Mas não houve uma boa química
entre ele e um Chino nada amigável na época. A parceria durou pouco e não
rendeu quase nada para o álbum, que teve sua produção finalizada por Shaun
Lopez. Na minha opiniao de fã, esse disco, monótono e sem muita inspiração, é o
mais fraco dos caras, ainda que conte com boas músicas como “Hole In The
Earth”, “Beware” e “Rats! Rats! Rats!”.
Mas tudo iria piorar ainda mais para um dos
pioneiros do nu-metal, que a essa altura, já havia virado história no cenário
do rock mundial. Em novembro de 2008, na cidade de Santa Clara, o baixista Chi
Cheng estava no banco do carona do carro de sua irmã, sem cinto de segurança, quando
este colidiu violentamente com outro veículo em um cruzamento. Chi sobreviveu,
mas em estado vegetativo. Não falava e nem andava mais.
O acontecimento terrível serviu para os
integrantes do Deftones refletirem sobre a condição geral da banda. Na época do
acidente de Chi, os caras estavam quase finalizando o álbum que já tinha até um
título definido, “Eros”. Mas a decisão foi de não lançá-lo. Não se sentiam
confortáveis para tal.
O que eles decidiram fazer foi aparar todas
as arestas. Chino realinhou seu comportamento após alguns anos bem complicados
e a banda se manteve unida. Para isso, recrutaram o amigo de longa data Sergio
Vega (da banda Quicksand) para substituir Chi Cheng até que este pudesse voltar
a tocar. O que jamais aconteceria.
Com uma nova configuração, tanto física quanto
mental, o Deftones recomeçou do zero o trabalho de composição de um novo disco.
Em 2010, “Diamond Eyes” viu a luz do dia. A volta dos caras não podia ser mais
triunfal. Depois de um período pra lá de turbulento, parece que as “estrelas se
alinharam” novamente e a banda acertou em cheio com um disco fantástico. Desde
a faixa-título, que abre o álbum, passando por “Rocket Skates”, “You’ve Seen
the Butcher”, “Sextape” e “Beauty School”, “Diamons Eyes” é um disco que se mostra
equilibrado. Músicas pesadas dividem espaço com as baladas que não estão tão
viajantes quanto outrora. Também estão lá as melodias, cortesia do vocal
inconfundível de Chino Moreno, e as pitadas de elementos eletrônicos, sempre a
cargo de Frank Delgado. Obviamente, o álbum recebeu ótimas críticas e figurou
em diversas listas dos melhores discos lançados em 2010.
O sucessor de “Diamond Eyes” veio dois anos
depois. “Koi No Yokan” (frase japonesa que significa algo como premonição do
amor) foi igualmente bem sucedido. Embora seja um pouco mais leve que o
anterior, ainda tem a cara do Deftones. Talvez não seja o tipo de disco que te
conquiste exatamente na primeira ouvida, mas seu valor é facilmente reconhecido
já na segunda ou terceira. Músicas como “Leathers”, “Romantic Dreams” e
“Poltergeist” se destacam, mas para mim, a canção que te faz cair o queixo e
provoca aquele arrepio na nuca é “Tempest”. Recomendo que seja ouvida no fone
de ouvido e em alto volume. Se você for imune aos efeitos que ela causa,
sinceramente, não sei de que mundo você veio.
O que eu mais admiro no Deftones em todos
esses anos (quase 20!!) é a regularidade. Por mais que um ou dois álbuns
estejam um pouco abaixo da média estabelecida pela banda em toda sua carreira, eles
sempre se mantiveram fiéis ao seu próprio estilo. Por mais que sejam até hoje
rotulados como um dos pioneiros do famigerado nu-metal, esses californianos
criaram sua própria fórmula de composição. Variam aqui e ali para não cair na
monotonia, mas, ao contrário de seus contemporâneos Korn e Limp Bizkit, nunca
se preocuparam em fazer algo espetaculoso ou forçaram uma mudança radical no
som para tentar ter mais sucesso ou ser mais relevante. Talvez pelo fato de
nunca terem alcançado o status de mega banda, como as citadas alcançaram, nunca
precisaram se preocupar em manter essa condição. No melhor estilo “low profile”
conquistaram seu espaço, se mantiveram criativos e hoje certamente são mais
respeitados e seus trabalhos recebem melhores críticas do que qualquer outra
banda de sua geração.
Para minha total satisfação, tive a oportunidade de ver Chino e companhia ao vivo por três vezes. A primeira foi em
2001, no Rock In Rio III. Parecia um sonho que eu achei que jamais se
repetiria. Acreditava que uma banda alternativa como essa jamais voltaria a se
apresentar por aqui. Mas eu estava enganado. Eles voltaram e eu pude estar
presente num show só deles em 2007 e, por fim, no festival Maquinaria, em 2009.
Em todas essas vezes senti exatamente a energia que imaginava ao ver shows ou
clipes pela TV. Chino enlouquecido no palco e interagindo constantemente com o
público. Stephen massacrando nos riffs, paradão, à direita do palco, mas sempre
“bangeando” como se não houvesse amanhã. Abe espancando sua bateria com disposição
e técnica impressionantes e Sergio Vega, viajandão, rindo e tocando de olhos
fechados. Claro que eu também pude ver Chi Cheng ao vivo. Seus dreadlocks
gigantes voando pelo palco, backing vocals absurdamente agressivos e o estilo
clássico de tocar baixo com os dedos. Nada de palheta. Em decorrência do grave acidente
já relatado aqui, o músico viria a falecer em abril de 2013. Saudade eterna.
Então é isso. É por esse texto gigante em
que procurei contar a história de uma das bandas que mais marcaram minha vida,
que eu continuo sendo deftones@ “provedor”.com.br. O signicado da palavra “deftones”?
Desconhecido. Os próprios integrantes não sabem explicar direito. Dizem que foi
a primeira palavra que veio a mente quando perguntaram no início da carreira,
qual era o nome da banda. Típico deles.
Encerro
esse post com o trecho da música “Minerva”, como uma espécie de agradecimento: “God
bless you all for the song you saved us”.
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