quinta-feira, 27 de março de 2014

DEFTONES

Mas afinal o que é Deftones?


Em setembro de 1996 meus pais compraram nosso primeiro computador pessoal. Se não me engano, era um 486 (alguém se lembra desse modelo?). Consequentemente veio a oportunidade de termos acesso a então recém descoberta (pelo menos aqui no Brasil) rede mundial de computadores, também conhecida como internet.

Alguns meses depois, já no ano de 1997, eu havia entrado para a faculdade de jornalismo e meu envolvimento com a internet crescia a cada dia. Nada mais natural que eu criasse uma conta de correio eletrônico. Ou seja, meu e-mail. Tudo que eu tinha que fazer era escolher um portal que fornecia esse serviço gratuitamente e pensar em alguma identificação exclusiva para mim, a fim de ter finalmente o meu endereço eletrônico. Ah...os tempos modernos...

A identificação para o meu e-mail tinha que ser algo digno da minha condição na época. Afinal de contas eu era um estudante de jornalismo, totalmente fissurado por rock e rap, enfim, “o descolado”.  Não deu outra, meu e-mail seria deftones@”provedor”.com.br . Ingenuidade da minha parte? Talvez. Mas na época eu não iria imaginar que permaneceria com o mesmo endereço eletrônico até hoje (2014). Sendo assim, não pensei que na hora de fazer cadastro no banco, realizar compras, contratar serviço de TV a cabo, etc, eu teria que falar para uma atendente de telemarketing que meu e-mail era deftones@ alguma coisa.


Para solucionar isso, bastava criar uma nova conta usando algo como fabio78, fabio_gc, sei lá. Mas isso não aconteceu. Continuo com o Deftones. E aí alguns de vocês (não familiarizados com este blog, principalmente) podem me perguntar: que diabos é Deftones?

Pois bem. Como eu disse alguns parágrafos atrás, em 97 eu já era louco por música. Por isso acabei escolhendo um nome de uma banda para identificar meu e-mail! Faz sentido, não? Pelo menos na cabeça de um garoto de 18 anos fazia. Afinal de contas, o Deftones era uma banda nova de rock, mais precisamente de “nu-metal”, que eu acabara de descobrir e que englobava tudo aquilo que eu gostava em termos de música e visual.

Formada na cidade californiana de Sacramento, em 1988, o Deftones inicialmente se caracterizava por composições que mesclavam rock pesado, com guitarras afinadas em tom muito baixo e vocais de rap em várias delas. Essa era a fórmula do chamado “nu-metal” ou “new-metal”. Garotos norte-americanos de classe média que cresceram ouvindo bandas clássicas de rock como Metallica, Kiss e AC-DC , mas que também estavam altamente expostos a artistas de black music como Michael Jackson, Run DMC e N.W.E, por exemplo. Essa geração misturou essas duas influências distintas que deram origem a bandas como Korn, Limp Bizkit e a banda em questão aqui, Deftones.


Era interessante de se ver porque eram caras, em sua maioria brancos, que se vestiam como os caras negros das perfierias das grandes cidades americanas. Muita gente não comprou a ideia. Achavam bizarro demais e musicalmente pobre. Mas muita gente se identificou com aquilo. Inclusive eu. Bandas que tocavam metal misturado com rap e se vestiam de um jeito que eu achava “style”? Lógico que eu ia gostar!

Mas voltando ao Deftones, o grupo formado por Chino Moreno (vocal e guitarra ocasional), Stephen Carpenter (guitarra), Chi Cheng (baixo) e Abe Cunningham (bateria) conseguiria gravar seu primeiro álbum, já por uma grande gravadora, em 1995. “Adrenaline” é um disco bem agressivo. Chino abusa dos berros, rima com destreza e ainda reservava alguns momentos para utilizar passagens vocais melódicas. Algo que ganharia muito mais espaço nas canções do grupo no futuro.  Embora todo o álbum seja de alta qualidade, as faixas de maior destaque são “7 Words”, “Root” e “Engine no 9”.

Dois anos depois (exatamente na época que descobri os caras) o Deftones lançou o cd que os colocaria de vez no mapa das grandes bandas do momento. “Around the Fur” mantinha a agressividade do seu antecessor, mas soava mais polido, mais bem trabalhado. O produtor era o mesmo, Terry Date (Pantera, Soundgarden, Soulfly), mas a cara das músicas tinha mudado um pouco e, creio eu, para melhor. Por isso afirmo categoricamente que, na minha opinião, este é o melhor trabalho dos caras. Músicas como “My Own Summer (Shove It)”, “Be Quiet and Drive (Far Away)” estão presentes até hoje no setlist dos shows do grupo. E ainda “Lotion”, “Head Up” (que conta com a participação de Max Cavalera nos vocais) e a própria faixa título são outros pontos altos desse excelente LP.


Vem então a virada do milênio e com ela as primeiras mudanças mais significativas no som do Deftones. O disco “White Pony” (2000), levou o grupo ao auge comercial de sua carreira. Canções como “Back to School”, lançada na re-edição do álbum (os caras se arrependeram de deixa-la de fora da versão original), e “Feiticeira” tinham a cara dos dois primeiros trabalhos, já “Change”, “Knife Party”, “Digital Bath” e a maravilhosa “Passenger” (com participação de James Maynard Keenan, do Tool) mostravam um lado mais suave dos californianos. A melodia havia chegado pra ficar nas composições do Deftones. E mais. A entrada do DJ Frank Delgado acrescentou ao som do grupo texturas que encorparam e deram um clima todo especial a cada faixa em que se fizeram presente.

Algumas pessoas, inclusive eu, torceram um pouco o nariz para essa desacelerada. Mas a qualidade do disco é inegável. A produção é impecável. Não à toa, a já citada “Change”, alcançou boas posições nas paradas de sucesso nos Estados Unidos. E para coroar o sucesso do álbum, a pesadíssima “Elite” ganhou o prêmio Grammy de melhor performance de Metal em 2001.

O sucessor de “White Pony” viria somente três anos  depois. O auto-intitulado “Deftones” é um trabalho um pouco mais soturno, não só a julgar pela capa - uma caveira cercada por rosas - mas pelo fato de as composições manterem o mesmo padrão do disco anterior, porém com um nível maior de “viagem” em múscias como “Minerva”, “Moana” e “Anniversary of an Uninteresting Event". Ainda assim é um bom disco que traz algumas das minhas faixas favoritas em toda a discografia da banda como “Hexagram” e “Bloody Cape”.


O Deftones seguia relevante, fazendo shows por todo o mundo e muito respeitado pela crítica. Mas o sucesso, vocês sabem, sempre cobra um preço. Entre o “self-titled” e o disco seguinte, os membros do grupo entraram numa espiral de problemas. Chino, se via  nitidamente pelo inchaço do rosto, estava com sérios problemas envolvendo álcool e outras drogas. O relacionamento entre os caras se deteriorou muito por conta disso e o clima para a gravação de “Saturday Night Wrist” não poderia ser pior. E isso se refletiu no resultado final.

O produtor escolhido inicialmente foi Bob Ezrin, famoso por ter trabalhado com o Kiss. Mas não houve uma boa química entre ele e um Chino nada amigável na época. A parceria durou pouco e não rendeu quase nada para o álbum, que teve sua produção finalizada por Shaun Lopez. Na minha opiniao de fã, esse disco, monótono e sem muita inspiração, é o mais fraco dos caras, ainda que conte com boas músicas como “Hole In The Earth”, “Beware” e “Rats! Rats! Rats!”.

Mas tudo iria piorar ainda mais para um dos pioneiros do nu-metal, que a essa altura, já havia virado história no cenário do rock mundial. Em novembro de 2008, na cidade de Santa Clara, o baixista Chi Cheng estava no banco do carona do carro de sua irmã, sem cinto de segurança, quando este colidiu violentamente com outro veículo em um cruzamento. Chi sobreviveu, mas em estado vegetativo. Não falava e nem andava mais.


O acontecimento terrível serviu para os integrantes do Deftones refletirem sobre a condição geral da banda. Na época do acidente de Chi, os caras estavam quase finalizando o álbum que já tinha até um título definido, “Eros”. Mas a decisão foi de não lançá-lo. Não se sentiam confortáveis para tal.  

O que eles decidiram fazer foi aparar todas as arestas. Chino realinhou seu comportamento após alguns anos bem complicados e a banda se manteve unida. Para isso, recrutaram o amigo de longa data Sergio Vega (da banda Quicksand) para substituir Chi Cheng até que este pudesse voltar a tocar. O que jamais aconteceria.

Com uma nova configuração, tanto física quanto mental, o Deftones recomeçou do zero o trabalho de composição de um novo disco. Em 2010, “Diamond Eyes” viu a luz do dia. A volta dos caras não podia ser mais triunfal. Depois de um período pra lá de turbulento, parece que as “estrelas se alinharam” novamente e a banda acertou em cheio com um disco fantástico. Desde a faixa-título, que abre o álbum, passando por “Rocket Skates”, “You’ve Seen the Butcher”, “Sextape” e “Beauty School”, “Diamons Eyes” é um disco que se mostra equilibrado. Músicas pesadas dividem espaço com as baladas que não estão tão viajantes quanto outrora. Também estão lá as melodias, cortesia do vocal inconfundível de Chino Moreno, e as pitadas de elementos eletrônicos, sempre a cargo de Frank Delgado. Obviamente, o álbum recebeu ótimas críticas e figurou em diversas listas dos melhores discos lançados em 2010.


O sucessor de “Diamond Eyes” veio dois anos depois. “Koi No Yokan” (frase japonesa que significa algo como premonição do amor) foi igualmente bem sucedido. Embora seja um pouco mais leve que o anterior, ainda tem a cara do Deftones. Talvez não seja o tipo de disco que te conquiste exatamente na primeira ouvida, mas seu valor é facilmente reconhecido já na segunda ou terceira. Músicas como “Leathers”, “Romantic Dreams” e “Poltergeist” se destacam, mas para mim, a canção que te faz cair o queixo e provoca aquele arrepio na nuca é “Tempest”. Recomendo que seja ouvida no fone de ouvido e em alto volume. Se você for imune aos efeitos que ela causa, sinceramente, não sei de que mundo você veio.

O que eu mais admiro no Deftones em todos esses anos (quase 20!!) é a regularidade. Por mais que um ou dois álbuns estejam um pouco abaixo da média estabelecida pela banda em toda sua carreira, eles sempre se mantiveram fiéis ao seu próprio estilo. Por mais que sejam até hoje rotulados como um dos pioneiros do famigerado nu-metal, esses californianos criaram sua própria fórmula de composição. Variam aqui e ali para não cair na monotonia, mas, ao contrário de seus contemporâneos Korn e Limp Bizkit, nunca se preocuparam em fazer algo espetaculoso ou forçaram uma mudança radical no som para tentar ter mais sucesso ou ser mais relevante. Talvez pelo fato de nunca terem alcançado o status de mega banda, como as citadas alcançaram, nunca precisaram se preocupar em manter essa condição. No melhor estilo “low profile” conquistaram seu espaço, se mantiveram criativos e hoje certamente são mais respeitados e seus trabalhos recebem melhores críticas do que qualquer outra banda de sua geração.


Para minha total satisfação, tive a oportunidade de ver Chino e companhia ao vivo por três vezes. A primeira foi em 2001, no Rock In Rio III. Parecia um sonho que eu achei que jamais se repetiria. Acreditava que uma banda alternativa como essa jamais voltaria a se apresentar por aqui. Mas eu estava enganado. Eles voltaram e eu pude estar presente num show só deles em 2007 e, por fim, no festival Maquinaria, em 2009. Em todas essas vezes senti exatamente a energia que imaginava ao ver shows ou clipes pela TV. Chino enlouquecido no palco e interagindo constantemente com o público. Stephen massacrando nos riffs, paradão, à direita do palco, mas sempre “bangeando” como se não houvesse amanhã. Abe espancando sua bateria com disposição e técnica impressionantes e Sergio Vega, viajandão, rindo e tocando de olhos fechados. Claro que eu também pude ver Chi Cheng ao vivo. Seus dreadlocks gigantes voando pelo palco, backing vocals absurdamente agressivos e o estilo clássico de tocar baixo com os dedos. Nada de palheta. Em decorrência do grave acidente já relatado aqui, o músico viria a falecer em abril de 2013. Saudade eterna.

Então é isso. É por esse texto gigante em que procurei contar a história de uma das bandas que mais marcaram minha vida, que eu continuo sendo deftones@ “provedor”.com.br.  O signicado da palavra “deftones”? Desconhecido. Os próprios integrantes não sabem explicar direito. Dizem que foi a primeira palavra que veio a mente quando perguntaram no início da carreira, qual era o nome da banda. Típico deles.

 Encerro esse post com o trecho da música “Minerva”, como uma espécie de agradecimento: “God bless you all for the song you saved us”.