Letlive: deixe o novo viver
Eu demorei alguns anos para começar a expandir meus horizontes musicais.
Comecei a ouvir rock e rap, meus gêneros favoritos, por volta de 1993 e montei
uma espécie de “grupo dos intocáveis”. Um grupo de não muito mais do que dez
bandas/artistas que eu escutava sem parar. E ai de quem ousasse falar mal de
algum deles.
O problema era que eu me mantinha de certa forma congelado no tempo. Não
ouvia nada muito novo, nada “desconhecido”, nem nada do passado. Só depois de
amadurecer, sob todos os aspectos, que fui aprendendo a escutar outros tipos de
bandas, outras vertentes do rock, além dos grupos que os influenciaram e que
foram infuenciados pelo meu “grupo dos intocáveis”. Foi assim que eu fui mais
fundo no punk rock, no indie rock, no funk e na soul music. Eu imagino o quanto
eu perderia se não tivesse adquirido o hábito de constantemente buscar novas
bandas. Foi assim que descobri...sei lá...uns quarenta porcento das bandas que
ouço hoje regularmente.
Outra forma muito efetiva de descobrir novidades musicais é através da
colaboração dos meus parceiros de gosto musical. Aquela galera que você sabe
que sistematicamente vai te indicar um som novo que muito provavelmente você
vai gostar e vai acabar comprando cd, indo ao show, etc.
Pois foi justamente através da indicação de um desses parceiros que eu
fiquei sabendo da existência de uma banda chamada letlive. (se escreve assim
mesmo, com letra minúscula e um ponto no final). Formado na cidade de Los
Angeles em 2002, esse é um grupo relativamente dificil de encaixar em um
estilo. A princípio seria uma banda de metal. Mas é mais do que isso. Metal
moderno? Avant gard metal? Progressivo? Hardcore metal? Metal experimental? Eu
diria que um pouco de cada. E é justamente aí que está o diferencial dos caras.
Aliás, aí e nas caóticas performances ao vivo.
O vocalista do letlive. é o malucão Jason Butler. Se dando entrevistas
ele parece ser um rapaz bem calmo e articulado para expor suas ideias, quando sobe
no palco vira um bicho. Se joga no chão, na plateia, se pendura em qualquer
lugar possível, enfim, um show a parte. Mas nada disso é forçado. A atitude de
Jason no palco reflete a intensidade do som e das letras do letlive. que
geralmente tratam sobre o comportamento humano em muitas de suas variáveis:
sexo, religião, preconceito e por aí afora.
O grupo já passou por algumas mudanças em sua formação desde o
lançamento de seu primeiro disco, “Speak Like You Talk”, em 2005, mas hoje
conta, além de Jason, com os guitarristas Jean Nascimento (sim, brasileiro) e
Jeff Sahyoun, o baixista Ryan Jay Johnson e o baterista Loniel Robinson.
Cinco anos depois do primeiro álbum a banda começou a chamar a atenção
da mídia especializada com a chegada de “Fake History”. Este disco colocou o
letlive. no rol das “promessas do novo metal”. Fez parte de várias listas do
tipo “preste atenção nesta banda”. E não era pra menos, “Fake History é um
excelente trabalho. Consistente e agressivo em quase sua totalidade, não fossem
os momentos certeiros em que incluem em algumas músicas passagens melódicas,
arranjos mais cadenciados e até mesmo uma participação de um vocal feminino (na
faixa “Muther”). Mas veja bem. Essa mistura não serve pra adocicar o som dos
caras. Nem pense em ouvir “Fake History” achando que vai encontrar um metal
acessível estilo Linkin Park. Os berros de Jason e as guitarras competentes de
Jean e Jeff dão exatamente o que uma banda de metal precisa. Adicione a isso a
“cozinha” afiadíssima que acaba dando um toque especial às composições do
letlive..
Difícil destacar três ou quatro faixas que me agradam mais neste LP.
Talvez eu fique com “Le Prologue’’, “The Sick, Sick, 6,8 Billion”, “Casino
Columbus”, “Muther” e “H. Ledger”. Opa! Citei mais de quatro músicas. Pois é.
Eu avisei que o disco é excelente.
Já sob o status de banda estabelecida no cenário alternativo do metal, o
letlive. partiu para a gravação de seu terceiro trabalho de estúdio. Em julho
de 2013 lançaram “The Blackest Beautiful”. Eu já ouvi o álbum umas três vezes
para poder fazer uma análise minimamente justa. O que pude observar logo de
cara é que não é uma mera cópia do disco anterior. Nitidamente os caras
tentaram variar um pouco em relação a “Fake History”. Não dá pra dizer que
experimentaram mais porque seu antecessor já foi bem experimental. Mas, no
geral, as composições desaceleraram um pouco, sem perder a característica
caótica, típica desses californianos.
A primeira faixa, “Banshee (Ghost Fame)”, tem uma pegada meio hip hop no
início, mas mais adiante alterna passagens melódicas e gritos ensandecidos.
“Empty Elvis” e "The Priest and Used Cars" também são bem pesadas e
facilmente entrariam no cd anterior. Já "White America's Beautiful Black
Market" me chamou a atenção pela letra na ponte: “we get sick so they can
feel better”, cantada por Jason de forma desesperada. Um dos pontos altos do
disco.
Três canções específicas, "That Fear Fever", "Virgin
Dirt" e "Younger" marcam a desaceleração das composições do
grupo que eu citei anteriormente. A segunda está proxima de ser uma balada e se
destaca por um trecho da letra que diz “love is just a cancer and sex is just a
pill”. A última beira o pop rock. Talvez seja o único momento meio sem graça do
álbum.
A última faixa é “27 Club”. Extremamente agressiva, é uma das melhores
músicas do repertório do letlive. e já vinha sendo executada nos shows da banda
antes do lançamento de “The Blackest...”.
Não poderiam ter escolhido um encerramento mais adequado.
Apesar de me fazer lembrar nitidamente de outras bandas que possam
tê-los influenciado como Deftones e Ill Nino, dá pra perceber que o letlive.
tem uma identidade própria. Musicalmente falando e pela sua surpreendente
postura ao vivo, como já afirmei aqui. Eu fiz questão de dividir com alguns
amigos uns trechos de shows dos caras e a reação quase sempre foi a mesma: um
espanto inicial e logo em seguida a constatação de um som frenético e bem “in
your face” mesmo.
Por enquanto o grupo continua com o status de sensação do underground.
Não acredito que isso deva mudar muito nos próximos anos. Não consigo imaginar
o som do letlive. excessivamente exposto pelas grandes mídias. Nunca vi um
clipe sequer deles em uma MTV ou Vh1 da vida. Por mim, tudo bem. Eu já consegui
descobrir que a banda existe. Quem ainda não havia descoberto, pode ter acabado
de fazê-lo por aqui ou vai acabar descobrindo cedo ou tarde através de algum
garimpeiro da boa música como eu e meus parceiros. Boa sorte!
Clique aqui para ver o letlive. ao vivo no Orion Festival - Junho de 2012
Clique aqui para ver entrevista com Jason Butler
Clique aqui para ouvir o álbum "Fake History" na íntegra
Clique aqui para ouvir o álbum "The Blackest Beautiful" na íntegra